Coluna de Antônio Neto
Algumas pessoas vão nos marcando durante a vida com cicatrizes na memória que não se apagam nem saram jamais. Trago, nas reminiscências da minha adolescência, lembranças do seu Toca. Sem dirigir a mim, uma só palavra, ensinou-me muito do que sou. Era um negro roliço, com braços torneadas e musculatura definida, daqueles que labutam campeando gado no meio da caatinga. Que não se curvam ao cipó nem ao espinho. Trazia um rosto cheio de marcas, simplicidade e honestidade. Trazia uma calma ilustrada e polida na alma. Escutava com toda parcimônia. Sem interferir. Um cidadão correto e reto nas suas ações e palavras. Não andava com conversinhas nas esquinas. O que tinha para dizer, dizia sem arrodeio sem arroubos. Comia com a paciência de um monge. Uma educação que trazia do berço. Era um homem de poucos amigos. Não andava com brincadeira nem desrespeito a ninguém para não ser desrespeitado. Muito comedido no andar, falar e portar-se.
Eram amigos de longas datas, pois comungavam dos mesmos vícios bovinos. Às vezes, à tardinha, íamos à casa dele, onde teciam longas conversas sobre vários assuntos do cotidiano, porém, acabavam em vaca leiteira, gado gordo e exposição. Foi vaqueiro a vida inteira. Lembro que a casa dele era cheia de corda e cabresto no frechal, faca de perneira, amolada, sela e gibão sobre uma mesa grande em madeira rústica e o chapéu de vaqueiro ou de palha à cabeça. Vivia com a mulher, uma senhorinha pequenininha, e o filho único. Não recordo o nome dele agora. Era o orgulho deles. Lembro que ele era um jovem forte, moreno de lábios roxos, torado no grosso, com cabelo à alemão.
Chegou a época de servir ao Exército Brasileiro. Um dia, a sede do destino apresentou-se de forma cruel, num descuido, num pisca de olhos, ceifou-lhe a vida. Foi um Deus nos acuda. Um dia embaçado pro bairro inteiro, pois, sabiam e sentiam a dor que seu Toca estava moendo ao peito por ter perdido seu troféu mais precioso. Segundo o que trago na memória, é que havia sido um acidente num treinamento com armas, e que o fuzil dele havia disparado aleatoriamente… Seu Toca foi emudecendo e se recolhendo para nunca mais ser o mesmo. Logo depois, ele também desencarnou. Não suportando a dor do vazio e da solidão deixadas pelo filho. Ela, também, foi logo após ele. Não se demorou. Não se prolongou por simples opção de amor aos dois. Lembro que o papai passou muitos dias triste. Ele foi várias vezes visitá-lo, tentando reanimá-lo, entretanto, ele, literalmente, havia desistido da vida.
Antônio Ribeiro de Sampaio Neto, nascido no bairro Cidade Nova, em Teresina(PI), no dia 29 de junho de 1963. Filho de Singleustre Ribeiro de Sampaio e de Marlene Lemos de Sampaio. Ex-funcionário do Banco do Brasil onde ficou por 15(quinze) anos. Cursou Letras Português com Literatura Brasileira e Introdução à Literatura Portuguesa, na Ufpi (Universidade Federal do Piauí). Pai de Ananda Sampaio (Escritora), Raíssa Sampaio, João Victor Sampaio e Bento Sampaio. Atualmente, reside na cidade, ribeirinha, de União(PI). Tem por hobby música(fã incondicional de Belchior – in memorian), livros e cachaça, ao pé do balcão. Adora passar o tempo jogando conversa fora(cotidianas, bobas e triviais à companhia de mentirosos – pescadores e caçadores).