SANAMENTE LOUCO
às 11:15
Queria ser um desses loucos que, de tão loucos, são quase santos. Ser um louco pleno e de paz. Um louco super legal e loucamente saudável. Desses loucos que passam a ser parte intelectual da cidade. Que, de tão loucos, passam a curar a cidade, os psicólogos e os médicos. Desses que frequentam os bairros, nos arredores da cidade, e que adoram andar pelos povoados à pé. Um louco sensível à natureza, ao próximo e aos animais. Um louco com perturbações sanas e lamaçal, desses que gostam do ambiente santo das igreja e do horário das missas, que escutam o badalar dos sinos de longe, que gostam de procissão, de vela e de ladainha. Que são loucos pros outros, mas que, para si, estão gozando de uma mente sã e de um corpo são. Desses que vivem sorrindo dos homens “equilibrados”, donos da verdade e de si próprios. Minha loucura me vale. Um mundo com tecnologia de ponta e o seu povo passando fome, em plena miséria, o mundo dos homens civilizados… Mas o louco sou eu. Casas de taipa sem saneamento básico, à lamparina, à querosene, à pilão, em meio à tecnologia de ponta, porém, o maluco sou eu. Queria ser um louco sofisticado, iniciado na arte da profunda loucura, inculta, que anda catando resto de comida nos lixos da cidade e do mercado. Vivendo entre os benditos cães, de Diógenes. O homem foi à lua, será? Contudo, o mundo vive em guerra. Queria ser um desses loucos que vestem várias roupas, umas por cima da outra, sem se importar com a temperatura do corpo, da mente e do ambiente. Desses loucos que não entendem nada de aniversário, nem de Natal, nem de Ano-Novo, nem de calendário e, muito menos, de tempo. O corpo é quem anuncia os desejos e os apetites da carne e da alma: comer, rezar, banhar, rezar, e dormir e rezar. Queria ser só um louco pacato, extrovertido e antissocial.