Trem azul
às 10:45

Hoje só queria botar minha bota azul rasgada e surrada, minha bermuda arregalada de azul, minha camiseta espevitada de azul, minha mochila azul carcomida de tempos e partir num trem azul sem destino, sem rumo, sem direção, com direção, sem Estação, sem parada, sem estrada, nas quatro estações, no meio de uma floresta densa em cores em vidas em amores, por entre, por baixo e por cima das serras. Quase tocando o céu. Num trem azul com o sol na cabeça, onde os trilhos fossem de imaginação em arco-íris e os vagões fossem rascunhos temáticos em neon infantil e aquarela. Cheios de pessoas tolas, leves, bobas, suaves, puras, matutas, mansas, astutas. Porém felizes, de felicidade sem compromisso ou expediente. Um vagão para cada louco, ou loucura, aqueles que não se entregam ao reparo de besteiras humanas e bobas em etiquetas caras, nesses penduricalhos sociais, e nem no acumular de uma penca de bens efêmeros, que são moradia predileta da ferrugem, pois a vida eterna é o fito, o destino, a lógica e pé na taba. Um vagão pro silêncio, para contemplação e para leituras literárias; outro para um bom vinho ao som de uma bela melodia na voz da Pimentinha; outro pro Zé Perreira, serpentina, lança perfume, confete ao som das marchinhas do Braquinha ou do João de Barro; outro com vários cavaletes para os artista se deliciarem com a dança dos pincéis, das dores e das cores; outro para jogos de azar, cigarro, charuto, fumaça, fumaça, fumaça… Muita poluição sonora e muita orgia… e o meu, onde se encontram os doces, os papéis, os picolés, os pincéis, os sorvetes, as tintas coloridas, muita bagunça e zoada e bagunça e zoada e as crianças coloridas de alegria e gritos e felicidade. O itinerário seria por entre uma floresta em meio aos xexéus em amarelo e preto, sábios lunáticos, tucanos pacientes, rabinos ortodoxos, sabiás sábias, mestres incultos, beija-flores incautos, músicos malucos, papagaios tagarelas, cachoeiras em branco azul e líquido, verde entre verde, corregos em orvalho azul e verde, pássaros e aves nas “aves”, árvores imensamente obesas, um sol radiante de bobagem por entre a ramagem, borboletas pintadas em 50 tons de azul, insetos borrados e esquizofrênicos, chuva agulha e sol soberbo, dançarinas fatais e flutuantes, imaginação vertigem virtude e viagem, zebra para riscar os campos que sobem as serras por entre o verde o céu o amarelo o seco as folhas o vermelho as flores o cinza o suave os frutos o bêbado o grave o macaco o agudo o graveto o proparoxítono… o outono o inverno a primavera o verão… Peguei o trem azul com o sol na cabeça.