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sexta-feira, março 14, 2025
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Textos da Semana

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O INVISÍVEL

às 11:37

Liceu Piauiense / Teresina

Era início da década de 1980… Ele vivia olhando e lavando carros, na praça do Liceu. Apareceu de uma hora para outra e nunca mais foi embora. Devia ter uns 17 anos, no máximo. No começo, os comerciantes eram meio desconfiados com ele, mas nunca mexeu em nada e, muito menos, assaltou. Era usuário de maconha mas nada que o atrapalhasse no seu trabalho. Às vezes, dava lanche para ele; outras, dava algum trocado quando tinha. Ninguém sabia sua origem. Comecei a ganhar sua confiança aos poucos, quando não estava fazendo nada, gostava de ficar fumando, sentado pela calçada da “Centauros Construções” que era a loja do seu Nilo que, à época, era meu sogro, e eu trabalhava com ele. Às vezes, aos sábados, pois era só meio expediente, antes de fechar a loja, ficava horas conversando com ele, sentado no bar da praça. Ele no refrigerante e no cigarro, pois não bebia bebida alcoólica e eu na cerveja gelada. Um dia indaguei dele, onde morava e onde estava sua família. Primeiro, disse que morava em Timon(MA), depois, que era de Altos(PI). Ele dizia e sorria. Não acreditei, mas deixei para lá. Continuei tentando ajudá-lo e entendê-lo, pois era só um garoto perambulando pelas ruas do Centro da cidade. Os anos se passaram e foi adquirindo confiança por parte dos comerciantes que ficavam no circuito da praça. Noutro momento, ele me confidenciou, que teria sido mandado embora de casa por causa das drogas. Disse-me, ainda, que morava no bairro Três Andares. Agora, já não sorriu. Senti que havia conquistado sua confiança. Já poderíamos nos considerar como dois grandes amigos. Dizia sempre para nunca passar da maconha. Ele me prometeu e cumpriu. Em 1987, passei para o Banco do Brasil e fui embora para o Maranhão para assumir na cidade de Gov. Archer, e o tempo voou… Perdermos o contato. Em 2000, voltei a residir em Teresina(PI) e a morar no bairro Cristo Rei. Quando o dinheiro da mamãe saía, íamos à agência do BB, no Shopping Teresina, depois lanchávamos e ela fazia pequenas compras. Passávamos a semana fazendo as coisas dela, pois eu havia pedido exoneração do banco. Passei a viver com ela, para ela e por ela. Ela sempre ia comprar linhas, botões, rendas, bicos, babados… Coisas de mulheres, nas lojas próximas ao Mercado Central. Estava encostado ao carro, esperando a mamãe, na esquina da rua Lisandro Nogueira, onde havia sido uma agência do BB, para pagar PASEP; quando o vi vindo, maltrapilho e maltratado, abordei-lhe e ele fico parado olhando nos meus olhos, com os braços cruzados e um cheiro forte de quem já não banhava a alguns dias. Meti a mão no bolso, e dei-lhe uma grana. Olhou, novamente, no fundo dos meus olhos, lagrimejou, sorriu, baixo a cabeça, deu as costas e partiu. Não sei se ele havia me reconhecido, pois não disse nada. Somente esboçou algum sentimento através de uma lágrima que escalou o canto dos seus olhos… E partiu como se fosse um zumbi.

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