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quinta-feira, novembro 14, 2024
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ENSINOS DE UMA VELHA CACHAÇA

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Texto.

às 11:08

Foto: Reprodução / Cachaça piauiense

Ela nasce forte, fresca, brava, incoerente e inocente. Queima com facilidade. Pica que nem cascavel, passa rasgando a garganta. Não tem medo de nada e nem se dá à covardia. É destemida e de rompante, adora uma festa, uma folia, onde tem uma zoada ele está. Adora som estridente, onde ninguém conversa, só bebe; onde ninguém se entende e lá pras tantas, sempre arruma confusão. O Carnaval é seu reinado, são três dias de folia e brincadeira que, geralmente, acabam em muita separação. É espevitada, louca, louca, louca… É porra louca. A ovelha negra da família. Não controla seus ímpetos, tem um aroma picante e um jeito cortante, crocante e um sabor delirante. Adora um tira gosto, de preferência panelada, cebola, toma, farinha e pimenta ou carne do sol com tomate, cebola, farinha e pimenta. Sardinha, salsicha ou kitute também são bons. É uma criança malcriada. Adora ser arrogante. Vive de bravata. Não respeita patente, nem baioneta e nem fuzil de general. Se o cabra brincar, vai ao chão. Gosta de humilhar os brutos. Ela dilui os músculos de um troglodita como se fosse água. Você pensa que cachaça é água? cachaça não não é água não! É doce, doce, como o mel, mas deixa o estivador de quatro. Aos fortes põe ao chão, aos afobados afoga-os em vômito. Com o tempo amansa, aos poucos vai depurando, amaciando e curtindo. Fica mais elegante e exótica, mais leve e mais suave ao paladar. Já não queima tanto, gosta dos bailes, das tertúlias e das festas de quinze anos. Perde a força e a dureza e eleva-se em saber e sabor. Acalma-se. Acalenta-se. Decanta-se. Fermenta-se. Destila-se. Torna-se branda, saudável, humana e sóbria. Gosta de sentar-se à mesa dos homens de cabelos brancos. Chega a idade e, com ela, o comedimento, a paciência e a compreensão. Fica mais solícita. Já não tem pressa. Já não é tão eufórica. Não é lunática. Agora, o tira gosto é um queijo, em palito de dente, com azeitona, à beira da piscina, numa chácara ou num sítio, na manhã de domingo, com a família e os amigos. Som ambiente. Um bom papo. Uma música, que faça jus ao ambiente. Aos invés de gritos e garrafas quebradas, murros e socos, agora, só sorrisos, gargalhadas e garrafas comportadas e deitadas sobre as raízes da velha.magueira. As crianças se divertem em mergulhos na piscina e em copos, de plástico, de refrigerante. Os adultos, no máximo, vão ao chuveiro, para aliviar o calor e pressão do álcool à testa. Agora, é uma cachaça adulta e culta.

Foto: Reprodução / Cachaça piauiense
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