A LATADA
É só uma latada de palha por onde se espalham mesas, garrafas, copos, pontas de cigarro, tampas de garrafa sobre o chão e conversas de todas as cores e quilates. Uns se dão ao carteado de todo dia, outros ficam entregues aos cigarros, aos tragos, às gargalhadas, têm também os que ficam calados, só matutando sobre a vida, e os que contam, de uma forma pitoresca, as comédias do que se passa no dia a dia, provocando assim, risos fogosos dos demais. Têm, também, os transeuntes, que são aqueles que chegam, tomam alguns goles de álcool e partem, para mais tarde retornar aos tragos e aos acasos. Por lá, passa o carroceiro, o catador de material reciclável, o pedinte, o boêmio, o bêbado, o mentiroso, o corajoso, o fobista, o pescador, o caçador e a mulherzinha montada na Bis vermelha com a caixa de isopor ao ombro e um boné vermelho, para estancar a força do sol, vendendo salgado e suco por apenas cinco reais o combo. Têm também os que chegam à pé, de bicicleta, de moto e até de automóveis, que são estes raros, pois a galera na sua maioria é biscateiro, bombeiro, eletricista, pedreiro, açougueiro, lavrador, diarista e mentiroso. O mais interessante de tudo isto é que, pelo menos, na aparência e na minha perspectiva, parecem não se interessar pelo futuro. A vida estanca ali naquele exato momento do dia. Não há ontem nem mais tarde, somente o instante a ser vivido e ponto final. São pessoas conformadas ou sábias, em relação ao destino, é o que penso ao vê-las tão belas, tão pecadoras e tão livres das amarras do futuro, das garras da necessidade e dos julgamentos sociais. O certo é que sempre há uma desgraça a ser contada para provocar risos. As boas notícias são tão raras, já que o cotidiano é feito de fome, necessidades e desgraças o tempo inteiro. A grana que trazem ao bolso é sempre em trocados e moedas. Geralmente, em células avariadas de tanto andar de mão em mão, pois as células miúdas viajam, pela cidade, mais que as graúdas. Trazem uma verve humorística incomensurável, pois nada nem ninguém é capaz de deixá-los jururu. Vivem sorrindo por cima de pau e pedra.