O patinho feio
às 10:50

Sempre escolhi o cachorro mais feio da barrigada, da prole. Aquele que ninguém quer. Aquele que é renegado, discriminado e que sofre racismo e bullying. Às vezes, até são renegados pela própria mãe, de tão malamanhados que são. Aquele que é o muiada da turma. Que só mama quando todos já mamaram. Fim de rama. Eles nascem, geralmente, com uma cabeça desproporcional ao pescoço e ao corpo, olhos esbugalhados, rabo seco e enorme, e impregnado de uma fome canina. Os outros vão sendo adotados, um por um, pelas dondocas e pelos bad boys para morar em palacetes, condôminos de luxo, e viverem de mordomia. Ele não, vai ficando para trás, até que o último dos garanhões vai embora. Aí, ele vai ficando com todas as tetas da mãe ao seu inteiro dispor. Começa a tomar corpo e limpar o pelo. Tem todo tempo do mundo para mamar. Começa a ganhar admiradores e colecionar fã clube. Agora, já rapaz, mama e come ração numa ganância e num desespero que lembra a seca do quinze. Começam a aparecer propostas de adoção e de compra, mas o dono começa a pensar em adotá-lo, pois já gastou muito com ele. Passa a ganhar banho nos finais de semana, com direito a sabonete, shampoo, toalha e perfumes caros. O porte musculoso passa a chamar a atenção, por onde passa, nas caminhadas do fim de tarde. Passeios no parque da cidade e de carro para aliviar a ansiedade. Frequenta restaurante chique. Usa colete com escudo do time do seu dono estampado ao peito. Coleira esticada com guia robusta, novo cortador de unhas e vitaminas para melhorar o pelo… À cada seis meses é vermifugado. Agora, passa a ser o garanhão entre os irmãos. Chega a provocar arrepio e arrependimento nos apressados de plantão. Passa a dormir no tapete da sala, comer ração especial, ganhar vasilha para ração de alumínio e é tratado como tesouro da casa. Agora, será um reprodutor de reputação elevada com uma procura à exaustão.