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segunda-feira, novembro 4, 2024
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IDOS DE 1975 II

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Coluna de Antônio Neto

Chegou o dia de levar o gado pro Livramento, em Castelo. O inverno afastou-se e o tempo era favorável. O Beto, meu irmão, falou com o Zé Monte, primo da Helena, minha cunhada, que possuía um caminhão boiadeiro. Tudo certo. Sairemos no sábado pela manhã. Embarcamos o gado e pé na estrada. O Beto foi com o Zé Monte no caminhão, e, eu, o papai e o Chicão no fusca.

(Foto: Alan Moreira)

“Meu filho, como eles vão mais devagar, quero passar na casa do Pião, em Campo Maior, para entregar uma encomenda da tua mãe!” Passamos na coalhada dos Altos do João de Paiva. Fiquei no balcão desgustando a iguaria, como de praxe, e eles à mesa com a mesma pedida: prosa, cigarro e café preto, em copo americano. Enquanto jogavam conversa fora, fui até igreja, que fica na praça, pois sempre fui apaixonado pelo ambiente de paz que elas exalam. Sentei-me no terceiro banco de madeira, sou supersticioso, cheirando a óleo de peroba, próximo a porta lateral, que dava pro comércio e pro oitizeiro, onde o vento entrava à exaustão. Ajoelhei-me e rezei um Pai-Nosso, uma Ave-Maria, um Creio em Deus Pai e uma Salve Rainha. Enquanto rezava, o sacristão passava o pano nos bancos e barria. Levantei e saí correndo.

Partimos pra terra da cera de carnaúba. Na saída de Altos, onde a linha do trem corta a pista, estava a placa indicando a entrada de Coivaras. Sou apaixonado por este nome, porque lembra roça, mato, Semana Santa, bacalhau, feijão com queijo, jogo de baralho, banho de riacho, milho verde… Chegamos em Campo Maior e passamos na casa da tia Raimundinha, que fica em frente ao Terminal Rodoviário, passamos na paçoca do “Manelzim”, abastecemos o carro, no posto que fica em frente, e fomos entregar a encomenda do tio Sarapião. Descemos pelo corredor casa, por uma cerâmica antiga e fria, e chegamos à cozinha. Um espaço amplo, dessas casas antigas do interior, com uma mesa enorme de madeira fornida ao centro e uma moreta por onde entrava o vento. No muro, uma fileira de pés de melão São Caetano, carregados de melões verdes e maduros. Uma gatinha branca e obesa veio roçar em minhas pernas. Sentei-me na cerâmica, pois estava com tanta vontade de deitar-me nela e esquecer o tempo lá fora. Comecei a coçar o pescocinho da gatinha, que já foi se derretendo toda. Terminei deitando na cerâmica, à portuguesa, e passando o tempo da conversa deles, nos carinhando.

(Foto: Do Liberdade News)

Pegamos novamente estrada… bar “Café do Vento”: ônibus, meninos vendendo cocada e milho assado, gente sentada em lata de querosene, o chofer com a cabeça na janela do ônibus, cigarro no canto da boca e com o braço dependurado buzinando e acelerando para avisar a partida. Sacos de farinha, sacos de arroz e gente por todo lado. Agora, já não havia mais lama nem barro amarelo e mole, mas a puáca, uma poeira impregnante. “Calma, motorista, tem uma mulher no banheiro!” Como a máquina ainda não passou para raspar a rodagem, está cheia de “camaleão”. O que acaba os amortecedores e folga os parafusos.

Os Caminhões e os ônibus passam por cima e vão embora. Todavia, os carros de passeio sofrem. As janelas dos ônibus parecem que vão cair de tanto trelar. Que nem motor de Toyota. Os bancos de madeira, do “Pau de Arara”, faltam jogar os passageiros para fora da boleia. Na carroçaria, tem jacá, saco de coco babaçu, galinha, pato, porco, bode e menino pra todo lado. Esperamos eles num bar, ao lado do mercado público, em Castelo. Enquanto tomavam uma cerveja, eu comia bolacha água e sal com Fanta. “Acho que ali são eles, papai!”, disse o Chicão. Eram eles. Estavam triturados dos solavancos da rodagem. Os cabelos e as pestanas duros só do barro. Foram ao banheiro tirar o barro dos olhos e voltaram para tomar uma gelada. O senhor, dono do bar, já havia botado os dois tamboretes. “Vamos, pra gente não chegar lá à noite!”

Foto: reprodução/internet

Da rodovia até o povoado Livramento, dava umas duas léguas de estrada de chão. O caminhão era truncado. Os truncados perdem a tração, porque o truque isola a mesma. Eram 12Km naquela areia branca, fria e fofa, onde as formigas de roça gostam de fazer vareda. Havia uma pequena parte que era de piçarra, mas muito pouca. “Como é, Betão, descarregamos o gado aqui ou sigamos?”, disse o Zé Monte. “O quê que tu achas?”. Resolveram esperar o Chicão, que tinha ido deixar o papai no Livramento, voltar. “Rapaz, esse caminhão, com esse gado em cima, vai atolar!”, opinou o Chicão. Conversa vai, conversa vem, resolveram entrar com o caminhão. Não andamos 600 metros, o carro empancou. Nossos primos, que vieram com o Chicão, cortaram uns paus e umas palhas, e lá se foi o caminhão pra andar mais uns 500 metros e atolar novamente. “Beto, quer saber de uma coisa, vamos voltar!”. Veio a noite, o cansaço e a fome. “Vamos descer o gado, enquanto uns vão levando pro curral, os outros vão ajudando a tirar o truque pra poder sair de ré!”


Antônio Ribeiro de Sampaio Neto, nascido no bairro Cidade Nova, em Teresina(PI), no dia 29 de junho de 1963. Filho de Singleustre Ribeiro de Sampaio e de Marlene Lemos de Sampaio. Ex-funcionário do Banco do Brasil onde ficou por 15(quinze) anos. Cursou Letras Português com Literatura Brasileira e Introdução à Literatura Portuguesa, na Ufpi(Universidade Federal do Piauí). Pai de Ananda Sampaio(Escritora), Raíssa Sampaio, João Victor Sampaio e Bento Sampaio. Atualmente, reside na cidade, ribeirinha, de União(PI). Tem por hobby música(fã incondicional de Belchior – in memorian), livros e cachaça, ao pé do balcão. Adora passar o tempo jogando conversa fora(cotidianas, bobas e triviais à companhia de mentirosos – pescadores e caçadores).

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